
Um vez, fui a um festival de trovadores e repentistas lááááá no sertão do Ceará (eita mulher rodada, cês hão de pensar!). O evento acontecia entre os municípios de Quixadá, Senador Pompeu e Quixeramobim sim, esse último é aquele da música de Chico Buarque.
Pois lá, assisti o meu primeiro show de Chico - mas de um Chico outro, o César, por quem eu já nutria uma paixão danada. E lá, também, conheci esse delicioso livro de poemas escrito por ele.
Pois lá, assisti o meu primeiro show de Chico - mas de um Chico outro, o César, por quem eu já nutria uma paixão danada. E lá, também, conheci esse delicioso livro de poemas escrito por ele.
Segundo o próprio autor, ele foi levado por "esse sentimento híbrido (amozade) e que muitas vezes julgamos formado por partes que se negam: o amor e a amizade".
Mas o encanto da obra, que desde então repousa no meu criado-mudo devidamente autografada, vai muito além da sua musa inspiradora e dos sentimentos que os unia - o que se lê, como bem explicam os editores, "é uma experiência de linguagem que ultrapassa as fronteiras dos idiomas, das culturas, do nacional, do popular, do erudito, dos gêneros, das identidades (...)".
CC passeia por várias referências que coabitam a sua alma de artista inquieto, versátil, atento, aberto, visceral, antenado, contemporâneo e tradicional, pop e rural, fragmentado e completo.
Ele transita pela Literatura de Cordel, pela Poesia Concreta, pelo Cinema Novo, por João Cabral de Melo Neto, por Ezra Pound, por Dante Alighieri; por São Paulo, pela África, por Atenas; pelo amor, pelo medo, pela loucura, pela paixão desenfreada... Eis alguns dos versos elegíacos:
1.
seu poeta preferido
bem antes de ser ferido
já era ferido antes
não visitou as bacantes
as nereidas e as ninfas
quis beber de sua linfa
esperou e não morreu
esse poeta sou eu
de lira desgovernada
deliro musa amada
órfão bisneto de orfeu
2.
eu pra cantar não vacilo
digo isso
digo aquilo
digo tudo que se disse
digo veneza recife
fortaleza que se abre
quero que o mundo se acabe
se não disser o que sinto
digo a verdade, minto
vertente me arrebata
minha voz é serenata
labareda e labirinto
17.
você quer me deixar louca?
pergunta com a voz rouca
numa noite de setembro
de noites assim me lembro
o seu, o meu, a foz, o vau
bom só-só e nenhum mal
kama sutra e dicionário
no lusco-fusco binários
rumor amoroso serve
para desatar a verve
disparar o calendário
Mas o encanto da obra, que desde então repousa no meu criado-mudo devidamente autografada, vai muito além da sua musa inspiradora e dos sentimentos que os unia - o que se lê, como bem explicam os editores, "é uma experiência de linguagem que ultrapassa as fronteiras dos idiomas, das culturas, do nacional, do popular, do erudito, dos gêneros, das identidades (...)".
CC passeia por várias referências que coabitam a sua alma de artista inquieto, versátil, atento, aberto, visceral, antenado, contemporâneo e tradicional, pop e rural, fragmentado e completo.
Ele transita pela Literatura de Cordel, pela Poesia Concreta, pelo Cinema Novo, por João Cabral de Melo Neto, por Ezra Pound, por Dante Alighieri; por São Paulo, pela África, por Atenas; pelo amor, pelo medo, pela loucura, pela paixão desenfreada... Eis alguns dos versos elegíacos:
1.
seu poeta preferido
bem antes de ser ferido
já era ferido antes
não visitou as bacantes
as nereidas e as ninfas
quis beber de sua linfa
esperou e não morreu
esse poeta sou eu
de lira desgovernada
deliro musa amada
órfão bisneto de orfeu
2.
eu pra cantar não vacilo
digo isso
digo aquilo
digo tudo que se disse
digo veneza recife
fortaleza que se abre
quero que o mundo se acabe
se não disser o que sinto
digo a verdade, minto
vertente me arrebata
minha voz é serenata
labareda e labirinto
17.
você quer me deixar louca?
pergunta com a voz rouca
numa noite de setembro
de noites assim me lembro
o seu, o meu, a foz, o vau
bom só-só e nenhum mal
kama sutra e dicionário
no lusco-fusco binários
rumor amoroso serve
para desatar a verve
disparar o calendário
28.
nem parnaso nem concreto
o amor analfabeto
não lê poemas de amor
tanto faz lápis de cor
ou computador que escreva
a linguagem mais longeva
que o amor reconhece
é o próprio amor, sua prece
é a pane do motor
é o silêncio do tambor
é a bomba da quermesse
31.
digo em português bem claro
o clero vai pagar caro
por pisar no meu jardim
uma moça deu pra mim
a flor de lótus carnada
carnuda e petalada
com beleza depistilo
beija-flor beijei aquilo
fui eu próprio fecundado
agora verbo cancarnado
batizado no seu nilo
34.
sêneca não sou - eu chico
rio tão nordestinico
que tateia e se estatela
no pé de sirigoela
plantado pelo cupido
performer impermitido
out-sider das baixadas
se ninfas apaixonadas
vêm uivar na minha porta
uso a palavra que corta:
ela tudo - vocês nadas
39.
o ó do borogodó
as tetas do status quo
as preces do dalai lama
calai os gritos da fama
que rosna numa gaiola
gravidez de craviola
dê à luz um bandolim
quero essa musassim
fauna com dente de flora
mas se um dia for embora
será quixeramobim
CÉSAR, Chico. Cantáteis: cantos elegíacos de amozade. Ed. Garamond. Rio de Janeiro, 2005.
Que lindo!!!!
ResponderExcluirGosto um pouco da poesia do Chico Cesar, mas na minha lembrança ficou uma entrevista na tv de Portugal onde ele mostrou toda a sua cultura na literatura e nas artes em geral. Também vi um filme em que ele retrata com muita simplicidade a sua vida em Catolé do Rocha, sua cidade natal. Agora fiquei curioso em ler Cantáteis. Abs Fernando Carriço
ResponderExcluir