domingo, 28 de fevereiro de 2010

Precisão

Após dias de pesquisa sobre Martinho da Vila, começamos, Eulícia e eu, a produzir os textos. Até que ela lembrou da frase certa de que precisávamos:

"Escrever é cortar palavras" - Oscar Wilde

é (só e tudo) isso!

O segredo dos seus olhos

El secreto de sus ojos - o vi em Buenos Aires, no ano passado, com Pauli.

Linda tarde, linda película, la mejor compañía!

Se há uma coisa que nossos irmãos argentinos fazem super bem, é cinema! (pero el fútbol es otra historia, Cris, no te hagas el piola!)

Concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro - torçamos no dia 07 de março!

O páreo está duro: o peruano A teta assustada também é uma obra-prima, pura beleza e sensibilidade ( e "só" ganhou o Urso de Ouro em Berlim ano passado...). Fita branca, da Áustria, é um soco no estômago, daqueles que fazem a dor se espalhar lenta e irreversivelmente (lembra, Rogério?). Não vi ainda: o francês Um profeta, que acabou de ganhar o Cesar, prêmio daquele país. E o israelense Ajami, que parece ser o favorito, pelo teor politicamente correto.

Vamos, Argentina todavía!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Nós, Hipácias.

Texto de Frei Betto, enviado pela amiga Cristina Sales.


A DIFÍCIL ARTE DE SER MULHER

Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi Ágora, direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”, dirigido por Fernando Meirelles.

Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos – TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas – o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia” etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.


Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Pasárgada da cada um

Uma singela homenagem a meu querido tio Niltinho,
falecido ontem, que amava Salinas da Margarida.














Salinas da Margarida é um município localizado ao sul do Recôncavo Baiano.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Clarice, simplesmente

A peça "Simplesmente eu, Clarice Lispector" é maravilhosa. Um delicado trabalho de pesquisa e interpretação de Beth Goulart.


Comovente, o mergulho dado pela atriz. Um projeto em que o caráter pessoal e profissional se misturam e complementam.

No final do espetáculo, Beth ainda presenteou o público com belas palavras sobre a importância da obra de Clarice no despertar da sensibilidade, para se enxergar melhor o próximo. "O coletivo começa no individual", disse ela, "se cada um faz a sua parte, é o primeiro passo para se construir um mundo melhor".

Como bem observou a amiga Mônica Alvarenga, que estava comigo, foi muito bacana ver a atriz resgatando e exercendo o papel do artista, de se posicionar diante da vida e transmitir mensagens e valores a partir da sua visão pessoal - e sensível - do mundo.

Em cartaz até março, no Teatro do Sesi:
Rua Graça Aranha, no. 1, Centro - Rio - RJ
Telefone: 2563-4163
Ingresso: R$ 40,00

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Fanatisme














Poema musicado de Florbela Espanca,
na voz de Fagner e Zeca Baleiro:

Fonte: Youtube

Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros :
"Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim! ..."

Livro de Soror Saudade (1923)


Fanatisme

Mon âme, de te rêver, marche perdue.
Mes yeux marchent aveugles de te voir!
Tu n’es même pas la raison du mon vivre,
Puisque tu es déjà toute ma vie !

Je ne vois rien ainsi déraisonnée…
Je passe dans le monde, mon amour, à lire
Dans le livre mystérieux de ton être
La même histoire tant de fois lue !

« Dans le monde tout est fragile, tout passe… »
Quand on me dit cela, toute la grâce
D’une bouche divine parle de moi !

Et, yeux posés sur toi, je dis en me traînant :
« Ah ! Des mondes pourront voler, les astres mourir,
Que tu es comme Dieu. Principe et Fin !… »

Florbela Espanca (in Les Amoureux)
Traduit par Rosario Duarte da Costa


sábado, 6 de fevereiro de 2010

O muro caiu há 21 anos, mas o sonho precisa cair também?


Excelente reflexão sobre o assunto, no artigo de SLAVOJ ZIZEK, publicado no site da Revista Piauí.


Trecho:

"Será que o realismo capitalista é a única resposta para a utopia socialista? O que se seguiu à queda do Muro foi mesmo a era da maturidade capitalista, o abandono de todas as utopias? Será que essa época também não teve uma utopia própria? Novembro de 1989 marcou o início dos "felizes anos 90", o utópico "fim da história" de Francis Fukuyama. Ele anunciou que a democracia liberal havia vencido, que o advento de uma comunidade mundial global e liberal estava por acontecer, e que os obstáculos que se interpunham a esse final feliz eram apenas contingentes (bolsões de resistência onde os dirigentes locais ainda não enxergavam que a hora deles havia acabado).

Em contrapartida, o 11 de Setembro marcou o fim simbólico dos "felizes anos 90". Assinalou o começo de nossa era atual, em que novos muros estão se erguendo por toda parte, entre Israel e a Cisjordânia, em torno da União Europeia, na fronteira dos Estados Unidos com o México - mas também dentro dos próprios países".

Cantáteis - cantos elegíacos de amozade



Um vez, fui a um festival de trovadores e repentistas lááááá no sertão do Ceará (eita mulher rodada, cês hão de pensar!). O evento acontecia entre os municípios de Quixadá, Senador Pompeu e Quixeramobim sim, esse último é aquele da música de Chico Buarque.

Pois lá, assisti o meu primeiro show de Chico - mas de um Chico outro, o César, por quem eu já nutria uma paixão danada. E lá, também, conheci esse delicioso livro de poemas escrito por ele.

Segundo o próprio autor, ele foi levado por "esse sentimento híbrido (amozade) e que muitas vezes julgamos formado por partes que se negam: o amor e a amizade".

Mas o encanto da obra, que desde então repousa no meu criado-mudo devidamente autografada, vai muito além da sua musa inspiradora e dos sentimentos que os unia - o que se lê, como bem explicam os editores, "é uma experiência de linguagem que ultrapassa as fronteiras dos idiomas, das culturas, do nacional, do popular, do erudito, dos gêneros, das identidades (...)".

CC passeia por várias referências que coabitam a sua alma de artista inquieto, versátil, atento, aberto, visceral, antenado, contemporâneo e tradicional, pop e rural, fragmentado e completo.

Ele transita pela Literatura de Cordel, pela Poesia Concreta, pelo Cinema Novo, por João Cabral de Melo Neto, por Ezra Pound, por Dante Alighieri; por São Paulo, pela África, por Atenas; pelo amor, pelo medo, pela loucura, pela paixão desenfreada... Eis alguns dos versos elegíacos:

1.
seu poeta preferido
bem antes de ser ferido
já era ferido antes
não visitou as bacantes
as nereidas e as ninfas
quis beber de sua linfa
esperou e não morreu
esse poeta sou eu
de lira desgovernada
deliro musa amada
órfão bisneto de orfeu


2.
eu pra cantar não vacilo
digo isso
digo aquilo
digo tudo que se disse
digo veneza recife
fortaleza que se abre
quero que o mundo se acabe
se não disser o que sinto
digo a verdade, minto
vertente me arrebata
minha voz é serenata
labareda e labirinto

17.
você quer me deixar louca?
pergunta com a voz rouca
numa noite de setembro
de noites assim me lembro
o seu, o meu, a foz, o vau
bom só-só e nenhum mal
kama sutra e dicionário
no lusco-fusco binários
rumor amoroso serve
para desatar a verve
disparar o calendário

28.
nem parnaso nem concreto
o amor analfabeto
não lê poemas de amor
tanto faz lápis de cor
ou computador que escreva
a linguagem mais longeva
que o amor reconhece
é o próprio amor, sua prece
é a pane do motor
é o silêncio do tambor
é a bomba da quermesse


31.
digo em português bem claro
o clero vai pagar caro
por pisar no meu jardim
uma moça deu pra mim
a flor de lótus carnada
carnuda e petalada
com beleza depistilo
beija-flor beijei aquilo
fui eu próprio fecundado
agora verbo cancarnado
batizado no seu nilo



34.
sêneca não sou - eu chico
rio tão nordestinico
que tateia e se estatela
no pé de sirigoela
plantado pelo cupido
performer impermitido
out-sider das baixadas
se ninfas apaixonadas
vêm uivar na minha porta
uso a palavra que corta:
ela tudo - vocês nadas


39.
o ó do borogodó
as tetas do status quo
as preces do dalai lama
calai os gritos da fama
que rosna numa gaiola
gravidez de craviola
dê à luz um bandolim
quero essa musassim
fauna com dente de flora
mas se um dia for embora
será quixeramobim


CÉSAR, Chico. Cantáteis: cantos elegíacos de amozade. Ed. Garamond. Rio de Janeiro, 2005.