quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Aroma da memória

Eu sei que estamos em janeiro e os assuntos são outros. Mas hoje fui pega de surpresa: no supermercado, feito esta manhã às pressas, me encontrei com o cheiro de uma manga espada.

Eu sei que junho ainda demora. Mas a saudade evocada por aquele aroma é atemporal. Lembrei, então, desse poema bem despretensioso, escrito no São João passado.


Os sentidos juninos
(a tio tinoco, tia lucy e às mangueiras do quintal da minha infância mais feliz)

a minha lembrança
tem cheiro de pólvora
estalo de fogueira
gosto salgado de amendoim cozido
maciez de vestido quadriculado
e cor de noite estrelada.


tem primos correndo em alvoroço
metade de laranja-doce-descascada
brilho de chuvinha que acaba rápido
perfume de canjica lá na cozinha
e chapéu de trancinha coçando na cabeça.


tem susto de bomba estourando de repente
batom vermelho cremoso na boca e na bochecha
pedaço grande de bolo de aipim
alegria suada, pressa de viver tudo
e aperto da mão do primo na quadrilha.


tem fole da sanfona apertando o peito quando a gente lembra
fogos que explodem cada vez mais longe de onde se está
silêncio de junho parecendo um outubro qualquer
sabor que não se encontra onde a gente vai morar
e estrelas com outro brilho-apagado-qualquer.


tem saudade demais aqui dentro...

20.06.2009

6 comentários:

  1. Estrofe resposta:

    O nó da gravata fechada com caixa de fósforo
    Agora está na garganta ao ler esse poema
    "Tomara meu Deus, tomara..."
    Que nossa prole tenha infância tão serena

    Beijo grande pra toda a família!!

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  2. sonhos.....
    (pensei nisso hoje de manhã, escrevendo sem rascunho direto no blog...)

    que coisa é essa, que consegue romper todas muralhas que nossa racionalidade constrói...
    que fica imune aos nossos desejos de esquecer nossos medos, nossos amores soterrados pelos conceitos do que é certo e errado, do que consideramos possivel ou impossível...
    esse sonho referido não é o acordado. esse último são os desejos conscientes, calcados nas idéias que nossa mente moldou como bom ou ruim...
    o sonho "sonho", extrapola o que conhecemos, é outra dimensão...
    sonho, duas vogais e tres consoantes, mas até no falar, é mais fluido que o tempo, que o pensamento que o raciocínio...
    sonhos, tão incontrolável e tão fugaz..
    que bom sonhar...
    nos coloca de frente com quem realmente somos.

    beijo grande

    João Maurício

    sonhe comigo e não caia da cama

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  3. Mesmo sem cheiro de manga, me deu uma saudade danada do São João da nossa terra e também da minha infância.
    Bom demais...

    Beijo

    Isa

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  4. que delícia de texto!, viajei no tempo. beijo, V.

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  5. João, meu querido,

    Que linda reflexão sobre os sonhos e como eles nos referenciam.

    Adorei.

    Beijos da sua Beibe!

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  6. Oi prima, que saudade! Adoramos sua poesia sobre a infância, é linda. Painho e mainha se emocionaram e tudo. Beijos, viu? Apareça.

    Léa

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